Reviver Cora: poesia e história

Foto: Poli Perrella

Pisar em Corumbá de Goiás (GO) e passar pelo portal do Caminho de Cora Coralina foi oferecer um refresco para minha sensibilidade.

Reviver Cora foi o evento programado pelo grupo Calangos & Caliandras para  realizar, novamente, o Trecho 1 do Caminho de Cora e pernoitar em Pirenópolis (GO) para passar o feriado de 21 de abril. Para o ano que vem, a ideia do líder Paulo Brito é fazer o evento novamente, mas escolhendo outro trecho para reviver Cora e pernoitar em outra das 13 cidades do percurso.

E lá fui eu entrar no túnel do tempo e me lembrar de mim mesma tirando foto nos degraus em frente à igreja e subindo e descendo as ladeiras do Trecho 1 até chegar ao asfalto. A igreja da praça central tem um painel em madeira que, desta vez, foi possível apreciar e ao sair, o clique da companheira de trilha, Poli Perrella, estava lá para registrar o momento em que eu passava pela Igreja Matriz de Nossa Senhora da Penha de França. Essa santa fez muitos milagres depois de ser encontrada na serra Penha de França, na Espanha, pelo peregrino Simão Vela.

Havia uns 2 anos que eu havia feito o Trecho 1, minha primeira caminhada no interior de Goiás. No Reviver, a trilha comportou 11 km. Os quatro finais, no asfalto, não fizemos, o que adiciona ao Trecho 1 os quilômetros necessários para completar o percurso oficial de 14,5km. Nem parecia Cora, pensei, quando cheguei ao entroncamento e vi a Van esperando. O Caminho de Cora é puxado, exaustivo, e de longas caminhadas sob o sol. Já acabou?! Perguntei a mim mesma, um tanto surpresa e, ao mesmo tempo, adorando a ideia de não ter de enfrentar os km de asfalto, que cozinha a bota e deixa o pé incandescente de tanto calor. A primeira sentença da estrofe de poetisa Cora, impressa na placa no entrocamento, foi um deslumbre do que eu estava sentindo ao comparar o Trecho 1 de 2022 e o Trecho 1 de 2024:

Sobrevivi me recompondo aos bocados, …

Cora Coralina

No cruzamento da estrada de terra com a BR 414, a Van estava lá para nos levar para o hostel em Piri. No Casamatta, nos reunirmos para o almoço coletivo preparado pelo Juni Frota. Eita almoço gostoso! Me deliciei! Arroz, galinha sem pequi, farofa e salada. Comprei coca-cola no empório da esquina.

Reviver Cora foi reviver minhas emoções, minhas lembranças e, ao mesmo tempo, resgatar o contato com os(as) amigos(as) caminhantes dos Calangos.  Também foi o momento de encontrar com os caminhantes que fizeram, neste mesmo dia – 20 de abril, o Trecho 3, e encontrar minha querida amiga Débora que guardou meus óculos que eu tinha esquecido lá nos 10km finais do Monte Roraima.

Fiquei com vontade de fazer de novo, não o Monte, mas o Caminho de Cora Coralina, afinal o percurso foi modificado e agora há um bom trecho de single track margeando o Rio das Almas. Acabei conhecendo o Nossa Praia, local por onde o novo Trecho 3 passa. Tomei banho de rio e aproveitar para ouvir o barulho da água correndo nas pedras!

Trouxe na bagagem do Reviver muita alegria em caminhar pelo Trecho 1 e rever companheiros de trilha, e a memória de meu esforço despendido em 22, e o de agora em 24, infinitamente menor.

Trouxe também o meu espanto (positivo) de ver uma enorme usina de energia fotovoltaica instalada na beira da estrada vicinal logo ao final da primeira subida do percurso. E não podia faltar o livro sobre a Missão Cruls que o companheiro de trilha – Adriano – me emprestou, pois num dos trechos que fizemos juntos conversamos sobre as andanças de Cruls para desvendar o Planalto Central e o fato de que ele e sua expedição estiveram nos caminhos que andamos hoje quando fazemos o Caminho de Cora Coralina.

Trecho 4 de Cora: sem poesias no Caminho

Poema de Cora Coralina

Meu estranhamento chegou lá pelo km 10 da caminhada, quando me dei conta, em definitivo, que não ia ler poemas de Cora Coralina ao longo do percurso. O único poema é no km 2 (ver meu wikiloc da trilha – ao final). Senti falta dos poemas e das paradas nos banquinhos sempre à sombra. Adorei passar por dentro das pequenas e médias fazendas e não conviver com os campos de agrobusiness que vemos em outros trechos. O cenário é bucólico e nos remete à ruralidade. A contemplação nos traz calma ao espírito. E meu passaporte está carimbado!

A falta dos poemas foi compensada, em parte – afinal Cora é Cora Coralina – pela beleza cênica que a ondulação das serras, no horizonte, permite a nossos olhos (foto). O caminho de 35km foi muito difícil, muito calor, ainda que as nuvens tenham poupado a mim e aos demais 17 integrantes do grupo Calangos & Caliandras mais calor e nos dessem conforto térmico.

Quando dentro da Van, que nos trouxe de volta a Brasília, me sentei ao lado de Tereza Cristina, começamos a conversar sobre nossa experiência no percurso e fizemos um apanhado do que vimos na fauna e na flora. Na fauna, vimos seriema, muito boi, vaca e bezerro, sabiás, ouvimos um joão-de-barro, eu perdi de ver o tucano (Tereza viu 3), e nos espantamos com o tamanho de uma formiga preta que corta e carrega pedaços largos de folhas (pode ser a formiga carpinteira, mas como não conheço, fica para uma próxima estudar as variedades e entender quem são), mas eu logo disse: Deus me livre me sentar, por engano, num formigueiro desses! Também comentamos que não vimos coruja buraqueira, um ser bastante comum no Caminho de Cora.

Com a flora, Tereza estava bastante feliz ao ter se deliciado com jabuticaba e tangerinas. Eu nem vi a tangerina, mas tive o prazer de provar cajuzinho do Cerrado, que Luci colheu um do pé para mim bem vermelhinho. Cheio de suco e doce! Vimos muitos jatobás (o fruto) caídos e espanhados pelo chão, cagaita, e ingá do cerrado (parece um feixe de ervilha ou feijão). Apreciamos também a variedade de paisagens do cerrado. E eu fiquei admirada de ver seringueiras (clone de seringueira) adaptadas ao cerrado pela Embrapa.

Quanto mais ando pelo Cerrado, mais consigo identificar suas fitofisionomias, nome acadêmico para dizer variações na vegetação. Um aprendizado! Por diversos trechos caminhamos entre a savana (cerrado com árvores de tronco retorcido) e a floresta (mata seca e mata de galeria). A ilustração da Embrapa Cerrados permite distinguir essas paisagens, o que ajuda a perceber durante o caminhar o que cada uma delas nos proporciona. A floresta: a brisa, o frescor e uma sensação térmica de muito conforto.

Ilustração mostrando a variedade da vegetação do Cerrado

Complexo Vegetacional do Bioma Cerrado

Ao resumir para mim mesma o que vivi nesses 35 km, eu comecei a contar nos dedos meus desafios:

2 peras, 1 banana, 1 laranja picada foram as frutas que levei de casa na mochila coller dentro da mochila semi-cargueira e mais o cajuzinho que me foi dado por Luci

Heloisa, Valeria e eu ao lado do campo de clones de seringueira

2 pequenos sanduiches (pão com queijo e geléia de mirtilo) que também levei de casa na coller

1 salada de azeitona, queijo branco e tomate cereja – prato ultra referescante e repositor de sais que levei na coller. Aprendi com a Juliane dos Calangos & Caliandras

4 litros de água ao longo do trajeto (3 que levei na mochila coller congelados), 1 na cintura, e 1 garrafa de 500 ml que comprei na Fazenda Caiçara junto com uma coca-cola normal, que ninguém é de ferro!

1 banho de lago no km 18, ultra refrescante que me ajudou a seguir o caminho

2 pares de meia secos trocados que levei no saco estanque dentro da semi-cargueira para trocar no trajeto – terminei a trilha com 1 pé de meia branca e 1 de meia preta. Coisas de quem pega a meia errada e nem liga mais de que cor elas são!

1 bastão de caminhada que me ajudou muito na descida e na subida da serra

1 par de joelheira, que dividi com Luci na descida da serra, eu no joelho esquerdo e ela usando no joelho direito. Par perfeito!

1 guarda-chuva para proteger do sol no horário de pico entre 11h30 e 15h

1 poncho que me deixou seca apesar da chuva de pingos grossos que Luci e eu pegamos no estradão nos 3km finais da trilha

1 semi-cargueira 30L com uns 5/6 quilos nas costas por todo o trajeto

Pouco antes da chuva, no estradão final da trilha, serra ao fundo

1 apoio de resgate a dois integrantes do grupo que não se sentiram bem durante a caminhada

1 fechamento de trilha, uma experiência de respeito ao outro que por si só merece um post específico, pois estou convencida de que fechar trilha é uma ciência, pois requer método e técnica e um referencial de valores!

11 horas na estrada

7 horas caminhando

Clique aqui para ver o trajeto da trilha no Wikiloc.

Todas as fotos são de autoria própria.